A Mente Grega
A história do pensamento psicológico está diretamente interligada com as tentativas de se compreender o fenômeno da mente e sua suposta substância, no entanto, diferente do que os psicólogos modernos acreditam, a investigação acerca do que é a mente data de muito tempo antes da criação da Psicologia como uma disciplina científica. No esforço de mapear as origens das primeiras elaborações sobre o que é a mente, é possível encontrar menções e inquietações acerca desse fenômeno desde da filosofia grega clássica, podendo ser observado nos diálogos platônicos e nos escritos aristotélicos.
Platão foi — cronologicamente — um dos primeiros a escrever sobre algo próximo a uma teoria da mente (claro que de um ponto de vista anacrônico), dentre as várias histórias e parábolas que fazem menção a uma possível natureza da alma, A Parábola da Biga, descrita no Fedro, conta sobre a natureza da alma humana por meio da metáfora que diz que ela é formada por três elementos simbólicos: o cavalo negro, o cavalo branco e o condutor, sendo o objetivo do último de dirigir a biga/alma tentando impedir que os cavalos sigam direções opostas, ou que sigam rumo à luminosidade; como se os cavalos fossem nossas tendências e desejos, e o condutor simbolizasse nossa razão. Interessante notar que Sigmund Freud, em sua teoria analítica (Psicanálise), descreve algo muito próximo a Platão, no entanto utilizando-se de outros caminhos. Ainda sobre a Parábola da Biga, é válido perceber como essa ideia, precursora da Filosofia da Mente, reverbera ainda nos dias de hoje, tal como na neuropsicologia, onde podemos observar com clareza o funcionamento do comportamento humano por meio das metáforas dos cavalos (Sistema Límbico) e do condutor (Córtex Pré-frontal).
Agora, retornando aos gregos, é possível, também, debruçar-se sobre outra teoria anímica muito importante para a investigação acerca do fenômeno “mente”, a teoria da alma aristotélica. Em sua principal obra sobre o assunto, Da Alma (obra composta por três livros), Aristóteles busca analisar os principais problemas que dizem respeito à alma, que é, segundo ele, o princípio vital de todo e qualquer ser vivo. Ele aceita a essencial distinção platônica entre sensação e pensamento, ainda que rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe a concepção do intelecto como tabula rasa, sem ideias inatas. Outro ponto também proposto por Aristóteles é de que o homem seja uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. Assim pressupondo uma primeira substância material e outra formal, essa última sendo um objeto não tangível intitulado de intelecto, que é caracterizada pela racionalidade, a inteligência e o pensamento. Ainda sobre a teoria aristotélica, um ponto importante a se resgatar é o conceito de percepção sensorial, essa que define a sensação como o resultado de um encontro entre uma faculdade sensorial (como a visão) e um objeto sensorial (como um objeto visível), ou, de um ponto de vista anacrônico, mais uma vez, o encontro entre o ser cognoscente e o objeto cognoscível, tal como definido pela fenomenologia.
A questão da mente circunda a filosofia desde dos seus primórdios, atravessando as principais correntes e períodos, chegando aos dias de hoje ainda conservando os seus mistérios e questionamentos. Ao analisar Platão e Aristóteles, é possível visualizar as principais ideias que levaram à elaboração dos futuros conceitos maturados no seio da Filosofia da Mente, assim como permite localizar a progressão de algumas delas, tal como foi demonstrado até aqui. Por fim, vale salientar que parte do problema que gira em torno do construto mente é que, para compreendê-la, não basta investigar o que é a consciência, a pergunta de ouro que é levantada por Aristóteles ao definir a sensação como a interseção entre sentido e objeto, e desenvolvida posteriormente por René Descartes e pela fenomenologia é: “afinal, o que é a realidade?”