Em Defesa dos Livros Difíceis
Quantas vezes deixamos de lado um livro “difícil demais”? Entenda por que devemos dar mais atenção a eles.
As crenças
A vida de leitura e estudos é uma luta diária que nos traz desafios, dúvidas e questionamentos. Algumas dessas questões, sejam de ordem metodológica ou de organização temporal, por exemplo, são próprias da rotina do leitor, logo apresentam-se para nós com tamanha constância que em pouco tempo é de se esperar que acabemos por nos acostumar com tais demandas. No entanto, há algumas questões que se apresentam com menos frequência — mas que não significa que sejam menos importantes — e que também devem aparecer em nossa rotina. Entre elas podemos encontrar uma angustiante pergunta que em algum momento de nossa jornada irá reverberar em nossos pensamentos: “devemos começar a ler livros difíceis?”
É possível que alguns possam achar um absurdo um questionamento dessa natureza e respondam com outra simples pergunta: “e por que não deveríamos ler livros difíceis?” Entretanto, a questão não é tão simplória quanto parece, pois há no cerne de nosso pensamento coletivo uma série de crenças que nos limita e nos dissuadem a não desbravarmos tal aventura. Pensamentos como: “é muito difícil ler um livro desse”, “ainda não tenho bagagem suficiente para ler esse tipo de livro”, entre outros, podem dificultar a nossa iniciação em leituras mais complexas. São algumas dessas crenças que podemos enumerar por ora, e que são suficientes para entender o problema. Por outro lado, é óbvio que outras visões e outros argumentos surjam como contrapontos a essas ideias apresentadas e é sobre elas que vamos dialogar. Para responder essa suspeição, devemos olhar para o passado e nos fundamentar nas respostas que nos foram deixadas de herança pelos filósofos, escritores e psicólogos.
Ler livros difíceis para ler livros difíceis
Apesar de, a princípio, nos parecer contraintutivo, o primeiro e mais óbvio argumento contra crenças que limitam nossa possibilidade de nos desafiar com leituras mais complexas é o de ler textos mais elaborados a fim de desenvolver uma certa resiliência frente a esse tipo de texto, e o de criar o hábito de tentar alcançar ideias mais complexas, pois como explica Mortimer Adler:
“Temos que achar livros que estejam acima de nossa compreensão. Porque se uma pessoa lê apenas os livros que estão em sua compreensão, ela não consegue melhorar. São os livros que estão além da compreensão, os livros dos quais a pessoa entende parcialmente sua redação, e tem de se esforçar mais, para entender mais, que podem elevar você…”
No texto supracitado, Adler explica a necessidade que o leitor tem em se pôr em frente aos grandes — e ditos difíceis — livros. Ao seu ver, a leitura consiste simplesmente no exercício de compreender um uma linguagem que, no primeiro momento, nos parece incompreensível ou de difícil apreensão. O leitor esforçado, ao se deparar com um texto complicado, deve olhar para o mesmo e pensar: “é exatamente isso que eu quero!”, tendo em vista que devemos nos expor às grandes questões para adquirirmos grandes experiências. Podemos evocar também Santo Agostinho que, em seu diálogo filosófico e religioso “Contra os Acadêmicos”, ao debruçar-se sobre a questão da sabedoria e felicidade, nos mostra que apenas aqueles que discutem sobre grandes assuntos e que leem grandes livros conseguem se desenvolver a um nível “grandioso”, seja intelectual ou espiritual, visto que:
“…questões grandiosas, quando são discutidas e investigadas pelos pequenos, costumam transformar a estes também em grandiosos.”
Exposição às grandes obras
Os pressupostos apresentados até então podem nos ajudar a desenvolver uma consciência da necessidade de leituras complexas, mas ainda não falamos sobre como nos iniciar em tais leituras. Para tanto, vamos, mais uma vez, evocar os grandes pensadores, dessa vez no ramo da Psicologia. O psicólogo social Robert Zajonc estudou por boa parte da sua vida a relação que há entre a familiaridade e a afeição, e como essa relação implica nos processo sociais e cognitivos dos indivíduos. Em seu artigo “O Efeito Atenuante da Mera Exposição”, Zajonc explica como a exposição repetida a certo estímulo gera familiaridade em relação a ele, e assim, como consequência, gera no sujeito exposto uma certa mudança de comportamento frente a tal estímulo que pode, posteriormente, se transformar em afeição pelo objeto. Dito isso, é fácil perceber como a mera exposição a um estímulo que nos é, a priori, apático — como é a leitura de livros difíceis — pode atenuar nossas preferências e acabar por se tornar uma questão de gosto e afeição; tudo depende do quão expostos somos, para que possamos nos apaixonar pela obra e, que fique registrado, não há método melhor que este, pois, como certa vez disse São Josemaria Escrivá:
“A melhor técnica, o melhor método é um coração apaixonado.”
Dessa forma, fica clara a grande importância da nossa exposição às grandes obras e às grandes ideias, mesmo que de forma gradual. É a partir da leitura e compreensão desses textos que poderemos adquirir certa familiaridade com esses e desenvolver certas habilidades para melhorar nossa compreensão, não apenas em textos difíceis, mas em muitos outros aspectos da vida intelectual. Com o tempo, provavelmente, veremos florescida a nossa paixão por algumas dessas leituras, e futuramente, quiçá, seremos nós quem escreveremos as ditas obras difíceis.