Felicidade Distópica

O Caminho De Guermantes
3 min readMay 7, 2021

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Por Ana Helena Moura

O constante estado de felicidade forçada é a base desta sociedade. Forçou-se goela abaixo nos procedimentos realizados em embriões, entrando por um ouvido sem saída pelas repetitivas gravações noturnas e, posteriormente, no regurgitar falante ao reproduzir estas ações, rememorando as tais vozes do sono.

Este aprendizado induzido na repetição inconsciente, a qual é fácil e prática, já que nosso cérebro preza pela economia de energia, além de ter sido tão bem enraizado por tanto tempo que chega a ser estranho demais qualquer mínimo ato que vai além.

E é ultrapassando que se observa o absurdo. A normatização de todo aquele sistema, da falta de verdadeiras relações interpessoais e da superficialidade do cotidiano — que segue sendo o mesmo do jovem à velhice, na constante e intensa repetição, os anos se passam sem qualquer que seja alteração.

Aqui não somente há os olhares do Grande Irmão, há todo os olhares possíveis diariamente, pois “cada um é de todos”, para se possuir e para se controlar, como uma irmandade. Neste passo, um mero ato de contemplar, de parar e pensar ou parar e silenciar pode angustiar terrivelmente alguém, tornando-os talvez em um ato revolucionário.

Porque aqui a felicidade foi construída em proveta e no que se fornece ao bebê, para que assim ele goste de trabalhar quando crescer, independente de qual seja o trabalho. Construiu-se, ao dar os primeiros passos, no condicionamento do que é belo e do que é bom à la Skinner. Na divisão social vemos quem é igual, superior e ou inferior, para assim poder reafirmar o seu grupo e se distanciar estranhando quem é diferente de si (e como tornaram a cor cáqui feia). No reforço comportamental, desde crianças, de certas brincadeiras, pois para Freud a sexualidade é a força direcionadora do comportamento humano em todas as idades, além da própria relação com a hierarquia das necessidades de Maslow. E, claro, há a artificial felicidade construída a cada grama a mais de soma (uma tal pílula salvadora, ou melhor, uma droga envolvida nos mecanismos de prazer e felicidade que não é apenas permitida, mas incentivada seu uso em qualquer circunstância) acompanhada de muita música sintética!

Enfim, se você parar e olhar ao seu redor irá se deparar com mais absurdos, pois ao ultrapassar o mundo novo se enxerga o nosso próprio mundo.

Um mundo em que não é difícil estabelecer relações superficiais com tanto “emoji” para limitar nossas palavras ou com poucos toques em tela para conseguir um “match”. Hoje temos (muitos) influenciadores que repetem incessantemente e, muitas vezes ditam nossas vidas. No Instagram vemos esse oceano de falso status quo apresentado na felicidade muitas vezes construída por cada peixe ali presente. E, o estímulo midiático geral para consumir novas coisas, criando mais e mais inutilidades “necessárias”.

Neste ritmo agitado do efeito manada é realmente difícil conseguir se dispersar do cardume, alcançar as profundezas e sobreviver.
É preciso criticidade! Para assim acolher o silêncio e o estranho. Para assim enxergar os mais variados tipos de absurdos (bons e ruins). Para parar e pensar. Para parar e contemplar.

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