O Real Significado das Palavras
Será que sabemos de onde vêm nossas ideias?
O uso banal da informação e das palavras nos trouxe a um estado de mal-estar linguístico, em que ficamos perdidos quanto ao significado das palavras e nos acostumamos a aceitar explicações vagas para termos complexos ou de difícil definição. Na verdade, a maioria das pessoas nem se dão conta das deturpações dos significados e da criação de falsos axiomas, esses que muitas vezes são provenientes de intenções ideológicas, políticas ou apenas criados a bel-prazer por alguns indivíduos que acreditam que sua subjetividade deve ser aceita como definição para a realidade. Para compreender tal fenômeno, temos que, antes mais nada, entender que isso não é algo novo, mas que ganhou uma força notável nos últimos tempos, tendo em vista que foi catalisado pelos avanços tecnológicos dos meios de comunicação.
A tão famosa era da informação é marcada por várias mudanças que são particulares do século em que vivemos. Dentre elas, duas em que vale a pena nos debruçarmos, são:
- A constante adaptação linguística: seja pela interligação entre diferente povos que falam diferente línguas, seja por meio de adaptações internas em um mesmo idioma (como é o exemplo das abreviações que comumente utilizamos ao nos comunicar via internet), tornou-se parte de nossa rotina a liquidez dos significados e seus significantes;
- A descentralização do poder sobre a informação: a informação não depende mais de instituições totalizantes, ou seja, não dependemos mais de um único órgão comunicador, pois a internet nos possibilita novas maneiras de conhecer e questionar as informações. Por outro lado, a qualidade e a veracidade dessas têm sido postas à prova com certa frequência por conta de outro fenômeno: as fake news. Essas notícias falsas também são produtos de nossa época, pois no passado — com o monopólio informacional — se algo fosse mentira, iria se passar por verdade quando relatado pelos detentores únicos deste poder, afinal, quem iria contestar?
Há ainda um terceiro ponto que, assim como os demais, não é inédito de nossa época, mas contém particularidades que são moldadas por nosso contexto, que é o fato de que replicamos termos extremamente genéricos como se fossem verdades absolutas. Isso é algo que nos parece demasiadamente contraditório e confuso — e de fato é — mas que ocorre com certa frequência, logo, temos que o destrinchar e o reelaborar.
Antes de mais nada, temos que pensar em como é possível que uma palavra seja tomada como axioma irrefutável, mesmo sem que haja qualquer contestação por parte do sujeito receptor. Para tanto, teremos que pedir ajuda ao estudo da linguagem, mais precisamente ao psicolinguista Didier Porot, que em sua obra “Distúrbios da Linguagem” , explica como pode ocorrer de em grupos haver uma maior preferência por pequenas quantidades de palavras. Esse fenômeno — abordado empiricamente pelo pesquisador Van den Beck — é conhecido como Estilística Quantitativa, essa que é uma constante do processo linguístico, pois, se analisados escritos de dado idioma, produzidos em dado momento histórico, fica fácil perceber a homogeneidade dos usos das palavras. A preferência por um número limitado de índices significativos ocorre por conta de características evolutivas de economia de energia do cérebro humano, pois, como já confirmado por várias abordagens da neurociência, um dos trunfos do nosso cérebro é a capacidade criar mecanismos eficazes de economizar a energia, como é o exemplo dos hábitos. Para uma melhor compreensão, podemos dizer que a Estilística Quantitativa é uma espécie de hábito da linguagem.
Tendo isso em mente, podemos visualizar com facilidade que ao desenvolver um discurso, o sujeito leva em consideração certos caracteres estatísticos, na intenção de criar um equilíbrio dinâmico (quase homeostático) entre a necessidade de passar uma mensagem de forma clara, ao mesmo tempo em que isso não custe caro. Um bom exemplo disso é quando usamos a palavra “ok”: ela contém em si vários significados e nuances (dependendo do contexto), mas o custo de energia para enviar e receber esta mensagem — em termos cognitivos — são mínimos. Mas será que há nesta dinâmica algo de maléfico? É aí que entra o outro lado desta moeda.
“Finalmente, fica assim demonstrado que a circulação das mensagens impõe condições estatísticas, independente dos desejos conscientes daqueles que falam.” (Didier Porot — Distúrbios da Linguagem)
A economia de energia, no aspecto supracitado, é uma vantagem para o desenvolvimento humano, entretanto, temos que nos atentar para as consequências que esta característica pode nos trazer ao tocante da formação do pensamento social e individual. A primeira conclusão lógica que se tira da ciência de haver uma Estilística Quantitativa, é de que, ao usar poucas palavras para descrever objetos complexos, a maior parte da comunicação fica subentendida. Esse fato cria inúmeras margens para variados erros comunicativos e, infelizmente, para a manipulação das informações e para criação de bolhas sociais que não conversam com outros setores da sociedade, explicando, assim, o porquê de haver vícios de linguagem e criação de jargões em dados contextos – entende-se que seja a maneira mais econômica de um indivíduo se comunicar com um grupo que ele está inserido. Um desdobramento direto da formação desses grupos, é a redução ainda maior da linguagem por subentender-se que todos os componentes do grupo estão familiarizados com os termos utilizados, podendo gerar situações (bem comuns, diga-se de passagem) onde todas as pessoas entendem uma afirmativa, mas não compreendem as bases argumentativas de tal afirmação. A generalização dos termos também nos é apresentada como outra consequência direta da comunicação subentendida, pois, uma vez que certas palavras são tomadas como verdades absolutas entre grupos e, logo, não há motivos para criar uma explicação para elas, os significados se perdem no limbo do subentendido e permitem que os sujeitos tornem o que bem quiserem essas enunciações, dessa forma, criando um caminho entre dois extremos, onde de um lado a palavra “x” significa a verdade absoluta e, no outro extremo, a mesma palavra não significa nada. Como explicado pelo filósofo francês Jaime Balmes, em sua obra “O Critério”,
“Este axioma deve prestar-se a mil interpretações, contrair-se ou distender-se à vontade, segundo as necessidades das circunstâncias e da causa, por isso ele o concebe em termos vagos, gerais, confusos, ininteligíveis.”
Não pensar muito sobre o mundo que nos rodeia já é algo normal em nossa sociedade. Normalmente, nós absorvemos o que é imposto pelo nosso meio cultural e — de um ponto de vista bem Foucaultiano — pelas forças de poder que atravessam nossos ideais. Às vezes, alguns de nós têm o trabalho de concordar ou discordar do que nos é imposto, e chamam isso de “pensamento crítico” ou “conscientização”, mas, mesmo assim, esses poucos sujeitos tomam para si tais enunciados e nunca compreendem o fundamento de suas ideias. Por isso, propomos, então, que possamos criar um esforço para filosofar, pois como explicado por Martin Heidegger, apenas a reflexão da linguagem pode nos levar ao que verdadeiramente é a Filosofia. Seguindo neste caminho, poderemos nos distanciar dos cidadãos de Bruzundangas, descritos por Lima Barreto:
“Não há como discutir com eles, pois todos se guiam por ideias feitas, receitas de julgamentos e nunca se aventuram a examinar por si qualquer questão, preferindo resolvê-las por generalizações quase sempre recebidas de segunda ou terceira mão, diluídas e desfiguradas pelas sucessivas passagens de uma cabeça para outra cabeça.”