O Verdadeiro Leitor Segundo C. S. Lewis

O Caminho De Guermantes
4 min readSep 3, 2020

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Algumas características que nos fazem cada vez melhores quando se trata da arte da leitura

C. S Lewis em seu escritório.

Sem dúvidas, o hábito de ler, se visto como um trabalho sério e não apenas como uma atividade trivial, contém em sua essência muitas particularidades, problemas e dificuldades. Já falamos anteriormente sobre a importância da rotina e dos hábitos de leitura, falamos também da tarefa homérica que os leitores se deparam ao tentar encarar livros difíceis e da importância de tomarmos coragem e nos desafiarmos nos grandes escritos. Para dar continuidade a essa tarefa que temos de tornar cônscia a atividade da leitura, vamos discutir — de maneira breve — sobre as características do bom leitor, segundo C. S. Lewis, em sua obra “Experimento em Crítica Literária”.

Clive Staples Lewis foi um grande escritor britânico que ficou bastante conhecido por suas obras de fantasia (como é exemplo de As Crônicas de Nárnia e da Trilogia Cósmica). Além disso, Lewis foi um expoente da doutrina cristã, contendo em seu cânone muitos livros acerca do assunto. Ele também era, principalmente, um exímio professor de crítica literária — fato que muitas vezes parece esquecido hoje em dia. No livro já citado, Experimento em Crítica Literária, no capítulo intitulado “Os Poucos e os Muitos”, Lewis chama nossa atenção para algumas características comuns aos leitores que verdadeiramente amam a leitura e a literatura, lembrando que esta não é uma verdade absoluta, no entanto, essas dicas vão, com toda certeza, nos ajudar a ir cada vez mais longe no mundo literário.

  1. A releitura

A primeira característica do verdadeiro leitor, exposta por Lewis, é a de ser não apenas um mero leitor, mas também um amante da releitura. É fácil se dar conta de que a maior parte da população leitora — essa que já é demasiadamente pequena — não tem o costume da releitura e vê nesta atividade uma certa perda de tempo ou algo tedioso. Porém, para um verdadeiro leitor essa desculpa não é cabível e não pode nos fazer descartar os livros como objetos perenes e substituíveis pois, como explica Lewis, quem lê grandes obras as lerá dez, vinte, trinta vezes durante sua vida.

“Sempre reli mais do que li. Creio que reler é mais importante do que ler, embora para se reler seja necessário já haver lido.” (Jorge Luis Borges)

Woman Reading — Daniel Huntington

2. A leitura como uma importante atividade

Já discorremos sobre isso anteriormente, todavia um reforço nunca é demais. Nessa característica, Lewis atenta para o fato da leitura ser comumente utilizada como último recurso. Lemos no ônibus, na fila do banco ou na espera por alguém, não que isto seja algo ruim, jamais. Aliás, é preferível isso ao perder nosso tempo no uso dos smartphones com coisas supérfluas, então ler enquanto espera é sim uma coisa boa, o que temos que levar em consideração é o fato de que muitas vezes lemos apenas nesses períodos onde o tempo está sobrando, pois isso sim é algo que o verdadeiro leitor não pode fazer. Para ele, ler é uma atividade que requer tempo e espaço apropriados, é um atividade que ocupa nossa lista de prioridades dentre as metas diárias, e se, como bônus, pudermos ler também em uma fila de espera, ótimo, só não se pode tornar a leitura em “vou ler pra dormir”.

3. A Leitura como experiência transformadora

Essa característica é, se não a principal, uma das principais que um leitor deve conter em seu íntimo. A leitura deve ser uma experiência que mexe com aquele que lê, deve ser um evento que só pode ser substituído por experiências reais, sejam de luto, religiosidade ou felicidade. O leitor ao término de um conto ou um romance deve se sentir afetado, ele tem que se sentir transformado, completo ou, quem sabe, vazio.

4. Refletir e recordar

Por último, a mais importante realização do bom leitor é o exercício da reflexão e recordação do que foi lido. A reflexão é importante pois o nosso objetivo ao ler não é somente ler, logo, essa não é uma atividade que tem o fim em si mesma, nosso objetivo ao ler é pensar e refletir. A leitura é, em essência, adquirir conhecimento e criar conjecturas sobre o que foi escrito, sem isso seremos apenas fantoches dos autores, reféns de seus discursos. Recordar é amar, é pensar na narrativa e seus personagens com carinho. Recitar poemas ou diálogos inteiros de cabeça, criar ligações entre suas várias leituras e perceber que “está tudo conectado”. Recordar é conversar com seus amigos sobre a leitura e, por um momento, perceber que estão todos juntos em um local simbólico que — naquele momento — apenas vocês tem acesso. Refletir e recordar, como já dito, é ter um grande carinho, tão grande que o verbo “gostar” é insuficiente para definir o sentimento. Temos que arranjar um novo verbo.

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