Por que você deveria ler “Em busca do Tempo perdido”

O Caminho De Guermantes
3 min readJul 15, 2021

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“Em busca do tempo perdido”, o maior romance da história (dividido em 7 imperativos volumes) não é uma obra fácil, e pode desestimular até o leitor mais avançado. Nosso projeto nasceu pela inspiração de alguns momentos da obra de Proust, e aqui vão 3 motivos pelos quais você também deveria realizar essa leitura.

Compreender melhor suas memórias involuntárias

Na obra de Proust, vivenciamos junto ao pequeno Marcel diversos momentos de “memórias involuntárias”. Essas memórias ou reminiscências são momentos de experiências puramente afetivas que, provocadas por algum elemento do mundo, traz à tona lembranças esquecidas que causam no sujeito “um impacto imediato, delicioso e total”, nas palavras do próprio Proust. Momentos como esse, ilustrados no famoso trecho da madeleine, podem ser tão impactantes ao leitor a ponto de auxiliá-lo a compreender suas próprias memórias involuntárias e afetivas.

Muitas vezes nos encontramos relembrando momentos de nossa vida aparentemente de maneira aleatória, a partir da percepção de um sentido. Um cheiro apreendido, uma melodia ouvida, a vista de uma paisagem… É isso que ocorre com o pequeno Marcel ao provar a sua madeleine mergulhada em chá, mas que também ocorre em vários momentos em nossas vidas, em momentos muito específicos, que podem passar despercebidos sem a reflexão necessária para o entendimento daquele momento e daquela sensação causada.

Sair do hábito

Esses momentos extraordinários dificilmente ocorrem em meio a uma atividade rotineira. Para Proust, o hábito é um elemento que enfraquece a experiência. A repetição da mesma atividade, todos os dias, no mesmo horário, nos leva a agir de maneira irreflexiva. Memórias involuntárias dificilmente surgem em uma atividade subconsciente, apesar de serem suscitada de maneira inconsciente. Como uma reminiscência, ela surge de algo esquecido, conscientemente morto, o que explica o fato de Proust utilizar, em muitos momentos, a dicotomia morte-ressurreição para descrever essas memórias. As experiências plenas que a memória involuntária nos propicia são causadas precisamente pela ressurreição de afetos e sentimentos esquecidos, mortos na memória, mas que ao serem evocados, superexcitam a consciência.

O hábito nos ajuda em vários aspectos. Organização, planejamento e produtividade são alguns de seus benefícios. Mas esse mesmo hábito suprime gradualmente a percepção total da experiência vivida.

Vislumbrar a eternidade

Os acessos causados pela memória involuntária possuem um prazer completamente distinto. Um prazer arrebatador a ponto de transcender a experiência real do tempo. O trecho da madeleine é explicado e narrado pelo velho Marcel muito posteriormente ao fato ter ocorrido. A vivência e o impacto causado no momento é puramente afetivo. Apenas com a elaboração intelectual, registrada anos depois na ordem cronológica da narrativa, sobre o conteúdo daquela experiência, o autor encontra o sentido por trás do acontecido. A alegria e prazer que surgem nesse momento são derivados da sensação de eternidade evocada pela simultaneidade entre passado e presente.

Como explica Roberto Machado em suas aulas sobre Proust, as impressões sensíveis da memória involuntária fazem com que o passado permeie o presente e em um mesmo instante, se vivencie um momento fora da ordem sequencial do tempo cronológico. É uma fuga do tempo real, que ocorre unicamente em nossa consciência. Nas palavras de Proust, a memória involuntária cria algo que: “comum ao passado e ao presente, é mais essencial do que ambos.” É a experiência extratemporal — a contemplação da eternidade.

Como seres finitos, nossa relação com o tempo é ao mesmo tempo restritiva e condicional. Estamos contidos no tempo, ao mesmo tempo que ele nos restringe. A simultaneidade do tempo presente e passado em uma reminiscência proustiana nos traz uma experiência consciente completamente distinta à experiência cronológica. Ela nos tira do hábito, nos tira momentaneamente da sequência dos fatos e após a elaboração intelectual dessa experiência, nos remete a uma nova relação com o próprio tempo e com a finitude. A busca pelo tempo perdido de Proust é a nossa busca por tempos totalmente vividos.

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