Proust, Byung-Chul Han e o Tempo

O Caminho De Guermantes
3 min readMay 15, 2023

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Em um dos nossos textos anteriores aqui no Medium acerca do “Em busca do tempo perdido”, temos o mote para uma questão importante para nossas leituras: o Tempo.

“Como seres finitos, nossa relação com o tempo é ao mesmo tempo restritiva e condicional. A simultaneidade do tempo presente e passado em uma reminiscência proustiana nos traz uma experiência completamente distinta à experiência cronológica” (Retirado do Medium, O Caminho de Guermantes)

Quem conhece sabe que Proust nos mostra de maneira catedrática como nossa relação com o tempo exige cada vez mais algo que a modernidade ainda não conseguiu nos dar: a experiência do vivenciar conscientemente o tempo.

As lembranças da infância que surgem para Marcel ao comer a madeleine com chá são ambientadas em um lugar ameno em uma província. Um lugar que permite o personagem estar presente no instante com atenção plena.

Pensando na forma que Proust dá ao tempo em sua obra, podemos pensar em algumas reflexões que o filósofo Byung-Chul Han nos traz em seu livro “O aroma do tempo”. Percebemos que a noção de experienciar o tempo, muito presente na obra de Proust, gradualmente se esvai com o imediatismo das tecnologias.

Em uma analogia, no mundo contemporâneo, ao invés de vivenciarmos o tempo como um quebra cabeça, tentando encaixar as peças conforme nosso bem querer, visando completar uma imagem na nossa compreensão do tempo “certo” para essa tarefa, podemos seguir um outro caminho. O caminho de aguçar nossos sentidos para sentir a sucessão do tempo e extrair de sua própria duração, significado.

Não é isso que a literatura proporciona? Não sentimos o tempo passar diferentemente em cada obra? Por acaso não temos leituras que fluem em grande rapidez? Mas também não temos leituras que emperram ou percorremos à passos de tartaruga?

Como exemplo, Han traz para sua argumentação os relógios chineses de incenso. Esses relógios tradicionais, mais do que as conhecidas ampulhetas, dotam o tempo de uma característica ainda mais específica do que o mero passar: o aroma.

Diretamente do texto:

“O tempo, que tem aroma, não passa ou transcorre. Nada pode esvaziá-lo. O aroma do incenso enche antes o espaço. Ao dar um espaço ao tempo, confere-lhe aparência de duração. A brasa transforma incessantemente em cinzas o incenso. Mas as cinzas não se tornam pó. Antes conservam a forma de um caráter escrito. Deste modo, uma vez reduzido à cinzas, o selo de incenso não perde significação. O caráter transitório, para o qual provavelmente remete à brasa que avança consumindo-se, dá lugar à sensação de duração”

A literatura é uma parte da vida humana que permite o vivenciar a duração do tempo sem perder seu aroma. Não apenas ler, mas cultivar uma vida intelectual, exige tempo. Exige uma demora sob os temas que nos intrigam, uma demora para não extrair das obras respostas imediatas e diretas.

Estar impaciente com uma leitura ou sequer se dar conta que já se avançou 5 capítulos em um sprint de leitura são provas afetivas da máxima “o tempo é relativo”.

E assim ele é, para cada um de nós diferentemente, o mesmo.

A temática do Tempo é um dos seus interesses na literatura e na filosofia? Quais outros temas são preciosos na sua experiência literária? Comenta aqui abaixo!

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